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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica:Mauvais Sang (1986)



Leos Carax é um dos diretores mais peculiares do cinema francês. Seus filmes se sustentam muito mais no campo subjetivo do que no objetivo, e a sua abordagem cinematográfica causa estranheza a alguns. No entanto, o estado de espírito tão cobiçado em sua expressão diversificada atrai aqueles que buscam sentir o cinema. Em Mauvais Sang (1986) em português com o título de Sangue Ruim, o diretor filma o vigor dos jovens Alex (Denis Lavant) e Anna (Juliette Binoche) — que protagonizariam mais a frente outro filme do Carax resenhado aqui— em uma Paris sob ameaça da falta de amor, simbolizada pelo vírus STBO que tem matado casais que transam sem sentimento. É possível extrair uma alusão ao HIV, que em meados da década de 80 se alastrou de forma assustadora e Carax o retrata de forma delicada, mas não como temática principal de seu longa. Seu intuito era o de aproximar seu cinema ao abstrato e nisso ele foi exemplar.Alex se sente desolado no mundo sórdido de quem trapaceia e se submete a outro. A libertação dos 15 meses que passou na prisão não significou o fim de sua prisão interior. Apelidado de língua presa, Alex externiza suas divagações filosóficas a partir do mecanismo de um ventríloquo. Seu futuro indefinido o leva a se conectar com antigos parceiros do seu falecido pai, cuja morte foi resultado de uma dívida com criminosa norte-americana e que agora os persegue.   

O seu envolvimento consiste em roubar de um laboratório  a cura do vírus  para que os parceiros de seu pai revendam-na e paguem a dívida. No meio desse trâmite Alex conhece Anna (Juliette), mulher de um dos caras mas que despertará uma sensibilidade única tanto para ele quanto para o espectador. O personagem de Lavant anseia uma fuga, de uma cidade para outra, talvez, ele foge inesperadamente de sua meiga e delicada  namorada interpretada por Julie Delpy. Sua fuga também se faz no campo mental ,uma vez que transforma em romântica poesia as possibilidades do amor. Ele corre em ritmo acelerado ao som de Modern Love de David Bowie, cena referenciada décadas depois no filme Frances Ha. Carax estimula o sensorial através dos close-up nos rostos de Julie e Juliette, em que suas emoções ganham cor e equivalem ao que poderia ser dito. O olhar, o sorriso, o toque são trabalhados dessa forma, e muito lembra,assim as obras da Nouvelle Vague. A leveza estampada na imagem de Juliette a encaixaria como personagem ideal em outros filmes que apresentam mulheres com emoções à flor da pele. Sua transparência simboliza a mulher apaixonada e à prova dos diversos desafios que a vida nos lança. Em uma cena, Anna salta de paraquedas e em seguida Alex vai ao seu encontro, como uma metáfora a vulnerabilidade do ser em uma atmosfera doentia e contagiosa. O casal que não chega a se firmar como um casal representa aqueles que não sabem lidar com o peso de existir e que se une pelo desiquilíbrio emocional.


 Julie Delpy como Lise

Juliette Binoche como Anna

Alex acaba pagando o preço por ter confiado a sua vida a um fim que desse qualquer sentido à situação em que encontrava. O seu sangue marca o rosto de Anna, que não a contamina e sim a liberta de suas amarras emocionais quando Carax a filma correndo em uma pista de aeroporto de maneira em que o balançar de seus braços se assemelhavam ao de um pássaro em voo.
É claro que essa interpretação foi feita da forma que senti o filme. Mauvais Sang  proporciona um encontro de duas almas repletas de dores que não conhecemos, mas que se expressam por meio de distintas analogias. O encontro que não é consumado, mas ansiado e raro num mundo de pessoas que não se entregam mais a diferentes manifestos do amor; a fuga final da personagem de Julie Delpy contrasta precisamente com a de Juliette.  

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