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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Les Amants du Pont-Neuf (1991)



Visando filmar uma história de amor parisiense que se difere das refinadas e estereotipadas, o diretor Leos Carax produziu um filme fora do convencional, mas que vislumbra aqueles que buscam outras visões sobre um sentimento simples e ainda assim complexo. Os Amantes de Pont-Neuf  traz um casal protagonista de mendigos com um passado obscuro e que procura sua fuga nas ruas. A belíssima Juliette Binoche incorpora a quase cega e suja Michele. Usando um tapa-olho, a perda parcial de sua visão simboliza a também perda parcial de como ela se enxerga, uma vez que se encontra descrente de seu eu atual. Sua profunda melancolia cruza caminho com o desorientado Alex (Denis Lavant). Juntos, os dois provam que é possível extrair uma bela e intensa história de amor de quem se encontra no lado esquecido da sociedade. 
A renomada Pont-Neuf em Paris serve de abrigo para o casal e o velho ranzinza Hans (Klaus-Michael Gruber). A ponte estava em construção e seu aspecto deteriorado se assemelha à realidade de Alex e Michele. Enquanto ela se mostra uma pintora exemplar, inferindo uma vida estável antes de ir para as ruas, Alex sempre aparece machucado, mas se mantém misterioso e prefere descobrir sobre o passado de Michele secretamente. Ele vê no seu abandono uma maneira de protegê-la e a maior aproximação entre os dois proporciona cenas visualmente fantásticas, nas quais as barreiras físicas e financeiras dos dois desaparecem momentaneamente. O casal se porta como adolescentes em meio a fogos de artifício e passeio de esqui no rio Sena, que banha a região, revelando a inconsequência juvenil que se transpira no seu relacionamento.


O filme é trabalhado no visual. Desde quando Michele sonha ou realmente atira naquele que a feriu antes de ir para as ruas através do visor da porta do seu apartamento; ou ainda quando o casal arrisca roubar dinheiro de clientes de restaurantes apagando as suas visões aos poucos com soníferos. O uso mais significativo que Carax faz desse sentido é a paixão obsessiva de Alex que o cega. Ele teme que o dinheiro que juntaram seja uma oportunidade para Michele seguir em frente e o joga no rio sem que ela veja. Vários cartazes com a sua imagem anunciam a sua busca por conta do tratamento possível para sua doença rara no olho. Assume-se que Michele era uma mulher muito importante no passado devido aos inúmeros pôsteres. No entanto, Alex os queima, destruindo de vez sua imagem passada para que o seu presente ao lado de Alex seja permanente. Ele é preso após tocar fogo em um carro que portava mais posteres. A cegueira física de Michele parecia mais uma pista para a subjetiva que se inflamava dentro de Alex. 



Michele acaba se recuperando da doença, e sua aparente estabilidade financeira e física poderia cair no clichê de que o dinheiro resolve todos os problemas. No entanto, a personagem foge a esse lugar comum e recorre a Alex para que continuem a viver o amor inconsequente.O reencontro dos dois na ponte, agora terminada e na neve, revela o amadurecimento e consequente transparência de ambas personalidades, que almejam construir um relacionamento baseado em honestidade, mas com o  mesmo ar jovial que se traduzia nas suas brincadeiras e brigas. O amour fou que permeia o longa demonstra que muitas histórias de amor não se concretizam porque sua chama se apaga facilmente. O diferencial de  Amantes reside na insistência nessa essência romântica, mesmo que por vezes doentia, mas que sem dúvida resiste à efemeridade moderna. 
Carax nos presenteia com uma obra única e poética, que apesar da exaustiva produção, consolida-se como um retrato de outra Paris e de outra história de amor, incomum, mas possível. 

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