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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri (2017)



 A linha tênue entre a vingança e a justiça nos enternece em Três Anúncios Para um Crime.
O diretor Martin McDonagh entrega um trabalho que dosa humor ácido com um forte drama, embora por vezes de forma falha, mas que deixa o espectador cheio de indagações sobre como lidamos com o outro em momentos inesperados, que transbordam sentimentos humanamente difíceis de encarar. 
O filme protagoniza uma mãe no maior conflito que lhe possa ocorrer, a perda de um filho. Neste caso, Frances McDormand interpreta Mildred Hayes,  uma mãe solteira, com o corpo aviltado fruto de uma vida de tensão e culpa e que busca respostas concretas sobre o assassino de sua filha. Seu filho interpretado pelo ator em ascensão Lucas Hedges, a acompanha  nessa difícil odisseia. Sua família habita a pacata cidade de Ebbing, e no início do filme somos apresentados a três outdoors em desuso. Mildred os aluga e respectivamente em cada um são grafados: Estuprada enquanto morria; E ainda sem presos?; Como isso, chefe Willoughby?. As mensagens estão em letras garrafais pretas sobre fundo vermelho de forma a chamar a atenção de quem os visse. Porém, o propósito maior de Hayes era causar um alarde sobre a negligência na investigação do caso de sua filha Angela, o que acarretou na intervenção da polícia local. O chefe de polícia Bill Willoughby, a quem a mensagem se dirige diretamente, possui temperamento forte equivalente ao de Mildred, o que torna seu embate inteligente e os personagens altamente interessantes. E os papéis caíram como luva tanto para Woody Harrelson quanto para Frances, que haviam interpretado personagens de dimensões semelhantes anteriormente.


Frances McDormand em atuação marcante  em  Três Anúncios Para um Crime


Woody Harrelson e Frances McDormand compartilham o mesmo 
temperamento na suas atuações em Três Anúncios Para um Crime

No entanto, quem se incomoda furiosamente com o ato de Mildred é o típico policial tirano Jason Dixon, numa igualmente ótima performance do ator Sam Rockwell. Dixon faz o que pode para atacar Mildred, unicamente por acreditar que sua ação é um desacato a sua autoridade. Ao se confrontarem, é impossível conter o riso   quando ela o chama de fuckhead. O que torna a personagem de Frances marcante é a sua audácia diante de uma jornada excruciante em que poucos estão do seu lado. Os ataques também partem de seu ex-marido, que namora uma garota de 19 anos, motivo de várias piadas durante o filme. Apesar de tal aspecto perpetuar um estereótipo feminino em um filme que retrata um tema delicado e de relevante debate, o longa não se perde. Outro estereótipo utilizado para fomentar o humor ácido do filme voltou-se ao ator Peter Dinklage, famoso por atuar no seriado da HBO, Game of Thrones. Seu personagem mostra-se ao dispor de Mildred, inclusive em uma cena emblemática que tem sido discutida sobre sua veemência. Antes de comentá-la, sabe-se que o ator tem nanismo, uma condição historicamente vista como bizarra e marginalizada. Novamente, por tratar-se de um filme que traz um debate importantíssimo sobre o estupro, ver outra minoria ridicularizada foi no mínimo decepcionante.

Sam Rockwell e Frances em Três Anúncios Para um Crime


Willoughby sofre de câncer no pâncreas e por conta disso, sendo assim, acredita-se que a ação de Mildred seja um desrespeito a sua condição. Apesar disso, ele mostra empatia à sua persistência em reabrir o caso. Um pequeno frame mostra o último contato entre Mildred e Angela. O conflito entre as duas lembra o de outro concorrente ao Oscar de melhor filme, Lady Bird. No entanto, enquanto neste o conflito se resolve de maneira madura, em  Três Anúncios Para um Crime não houve tempo para tal uma vez que Angela resolve sair de casa a pé e em um lapso de raiva sua mãe diz que ela seria estuprada se o fizesse. A partir disso, temos uma dimensão da enorme culpa que ela carrega e de seu destemor em enfrentar aqueles que são contra seu pronunciamento. O chefe de polícia eventualmente se suicida, deixando cartas para aqueles mais próximos, incluindo Mildred. O seu tom sarcástico não diminui a carga dramática do filme. Dixon, por conta do acontecimento, culpa Mildred e toca fogo em seus outdoors. Ela, para se vingar e fazer justiça com as próprias mãos, decide tocar fogo na delegacia de polícia. Porém, o que ela não sabia é que Dixon encontrava-se lá, lendo uma carta que o chefe havia deixado falando sobre empatia e amor ao próximo. Dixon consegue escapar e traz junto consigo os arquivos da morte de Angela. A mudança repentina do personagem trouxe controversa após a estreia do filme. Isso porque não condizia com as suas atitudes racistas, homofóbicas e violentas até então. A mudança causou estranhamento, não que não pudesse ocorrer, mas poderia ter sido elaborada mais à frente.
E o que deixou vários espectadores mais em dúvida ainda sobre a qualidade do longa é o seu desfecho. Não descobrimos o assassino de Angela, chegamos quase lá, graças a Dixon, quando ele escuta uma conversa no bar de um estuprador que havia antes perturbado Mildred psicologicamente. Apesar da expectativa de um ponto final no caso, sabemos que na realidade há ainda muito descaso em relação à investigação sobre ocorrências de feminicídio. Só no Brasil, de acordo com o Mapa da Violência de 2015, em 2013 foram registrados mais de 13 homicídios diários contra a mulher. 
O longa de McDonagh  está na corrida do Oscar em várias categorias, mas o que é importante destacar deste filme é que retrata um tema recentemente em pauta de investigação e penalidade no meio hollywoodiano. E para além disso, o estupro tem que ser retratado por diferentes pontos de vista e o longa o trata como crime insolúvel em uma pequena cidade conservadora, em que é comum que se propagem  ideias relacionadas à culpabilidade da mulher.

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