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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: I, Tonya (2017)



Quando falamos sobre mulheres que alcançaram algum marco na história, muitas vezes sua narrativa vem acompanhada de dor e repressão mesmo após a sua realização artística. Além disso, elas são marcadas pela sua ousadia e por homens que tornaram esse caminho mais difícil. Alguns exemplos já podem ter vindo à mente ao ler isso, e concorrendo a principais categorias do Oscar deste ano, a história de Tonya Harding se firma como mais uma da que precisamos falar sobre. 
Craig Gillespie retrata o caminho sexista e destrutivo pelo qual a patinadora Tonya Harding (melhor papel de Margot Robbie) percorreu durante as duas últimas décadas do século XX. Quando tinha 4 anos, Tonya, já demonstrava sua paixão pela patinação. Porém, seu talento não foi fomentado de forma saudável. Sua mãe, LaVona, interpretada por uma intensa e provocadora Allison Janney, exige a perfeição de sua filha, privando-a de outros contatos a não ser com o gelo, e sua relação abusiva com Tonya resultará em um conflito insuperável entre mãe e filha. Outro indicado ao Oscar 2018, LadyBird (Greta Gerwig,2017)  também retrata o relacionamento explosivo entre mãe e filha. No entanto, em I, Tonya ou Eu, Tonya em português, vemos diferentes lados da história real de alguém que se viu literalmente no topo do pódio e banida pra sempre do seu maior sonho. O mundo conhece Tonya Harding quando consegue um feito único na história da patinação. Competindo no estado em que nasceu, Oregon, ela se torna a primeira mulher  a  realizar um salto triplo, ou triple axel. Ninguém antes dela havia ousado tal feito e ela o repetiu posteriormente, tornando-se inicialmente famosa por sua intrepidez. Amada  e odiada, o culto a uma personalidade faz parte da tradição idealizada norte-americana. Tonya não seguia o padrão bailarina e de classe média, e seu lar destrutivo a tornava menos querida ainda. Quando ela questiona um jurado porque suas notas são baixas apesar de sua perfeita execução, ele responde que ela não tem a imagem que represente a nação. Sua treinadora diz que chegar ao topo é uma questão de se encaixar. Tonya Harding estava longe de seguir o imposto padrão feminino: executava papéis ditos masculino como cortar lenha e caçar animais; patinava ao som de heavy metal e falava o que bem quisesse. 


Margot Robbie como Tonya Harding


Allison Janney como LaVona Harding


Ao mesmo tempo que a vida lhe oferecia oportunidades de provar a sua singularidade, Tonya enfrentava dilemas pessoais os quais não conseguia superar. A rigidez e falta de afeto de sua mãe resultaram num clima de hostilidade e violência tornando a convivência entre as duas insuportável. LaVona acreditava que sem seu controle abusivo Tonya não seria nada. As cenas conflituosas entre as duas se sustentam por si como viscerais e marcam o show de atuação que ambas atrizes desempenharam ao se entregarem a seus papéis. O filme não é em sua totalidade autobiográfico, pois os fatos da vida de Tonya são por vezes narrados em formato entrevista como se fosse um julgamento, em que Tonya é posta como réu. Além disso, a quarta parede da formalidade cinematográfica é rompida, de forma que os personagens possam convencer o espectador  somos o júri popular— de suas versões. E por que a vida de Tonya não foi simplesmente narrada por si mesma? Se você já ouviu falar em seu nome, provavelmente é devido ao incidente que pôs fim a sua carreira. Seu nome virou piada nos Estados Unidos, até por ninguém mais ninguém menos que Barack Obama em um de seus discursos durante a sua primeira corrida presidencial. Por conta desse incidente, sua palavra foi posta em prova, e suas conquistas esquecidas. Para entender o que aconteceu, conhecemos a intimidade entre Tonya e seu então marido Jeff Gillooly (Sebastian Stan). O caipira com noções patriarcais sobre sua masculinidade, mostra-se meigo até o momento que se casa. A última palavra pertence a ele e vendo Tonya como sua posse, começa a agredi-la por qualquer motivo. Como ela vem de um lar violento, muitas vezes revida o ataque do marido e entre  inúmeras restrições judiciais, os dois se reencontram. A violência doméstica sob o ponto de vista de Tonya era natural porque era uma constante, assim como a violência verbal vinda daqueles que a odiavam. Já Jeff nega que tenha a violentado, porém o tom sarcástico do filme deixa bem claro o quão idiota e frágil ele era.


Jeff e Tonya antes do casamento

Jeff seria capaz de qualquer coisa para ficar com Tonya e fazê-la feliz, porém de forma doentia. Quando prestes a competir, um policial diz que ela recebeu uma ameaça de morte, afastando-a de futuras competições. Jeff e seu amigo com um ego tão estúpido quanto, Shawn Eckhardt, planejam uma carta de mesmo teor para a maior rival da patinação de Tonya, Nancy Kerrigan. Harding tem conhecimento da carta, era um meio de tirar  a atenção sobre a sua e voltar a patinar. Porém, Shawn vai além e contrata dois caras para gravemente machucar Nancy. O evento ocorre nas vésperas das Olimpíadas de inverno de 1994, e as evidências acabam chegando à Tonya dias antes da competição. Mesmo sem ter participação alguma no ferimento da patinadora, ela já sentia que estava amaldiçoada ao fim de sua carreira. O depoimento de Jeff acusa Tonya de saber do ataque. Antes de ser sentenciada, ela concorre nas Olimpíadas, mas tem um problema com o cadarço de seu patim, o que atrapalha a sua performance. É como se o nó que  entrelaçou  sua vida e a patinação tivesse se rompido definitivamente. Sua palavra diante do júri não foi suficiente para que se defendesse das acusações. Sua pena custou sua banição para sempre da patinação e o seu maior erro (não no sentido de culpá-la) foi ter se envolvido com um homem que manipulou o curso do seu sucesso. A história de Tonya é similar a de outras mulheres que ousaram e foram além de suas condições impostas  e acabaram sendo punidas por romperem com o lugar que lhes pertencem. Embora devastada pelo fim de seu sonho, Tonya Harding utilizou de sua valentia tornando-se lutadora de boxe por um determinado tempo. Amada ou odiada, o que mais me instigou e fez do filme o meu favorito entre os nomeados, é que temos o retrato de uma mulher intensa e real, com seus inúmeros defeitos, mas que contribuiu com a história omitida das mulheres que realizam grandes feitos. E agora entendemos porque outras vozes participam além da de Tonya durante o filme; foram necessárias para corroborar a crítica de que a voz da mulher por si só não se faz suficiente para ser creditada ao mesmo tempo que quem nunca a ouviu antes percebe finalmente sobre quem realmente recai a culpa do seu fracasso. 



A verdadeira Tonya Harding e Margot Robbie logo após executar o histórico salto triplo


Margot como Tonya ensaiando sua expressão facial momentos antes 
da sua performance nas Olimpíadas


Margot Robbie à esquerda e a verdadeira Tonya Harding à direita no incidente do cadarço 
nas Olimpíadas de inverno de 1994

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