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Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Daisies (1966)



Por várias décadas do século XX, a  Tchecoslováquia, atualmente República Tcheca e  Eslováquia, foi governada sob o regime comunista, sendo a sua tentativa de democratização sufocada pelo golpe da União Soviética na década de 60. Durante esse período, os trabalhadores,os jovens e outras partes da população de Praga sentiam o efeito da crise econômica com as novas decisões na constituição. A desilusão com o regime político vigente leva a uma resposta no mundo da Arte. A New Wave Tchecoslováca, como ficou conhecido esse período, contava com diretores que objetivaram conscientizar a sociedade sobre a opressão política que estava vivendo sob mesmo antes do golpe. A cineasta Věra Chytilová responde veemente com a obra Daisies (As Pequenas Margaridas) em 1966. Suas protagonistas femininas reinventam seu espaço essencialmente formado pela burguesia conservadora. Cada palavra e gesto delas simbolizam protesto. As adolescentes buscam uma afirmação, a sua existência incessantemente e as alegorias que Vera emprega transforma sua obra numa peça única em dimensões sobre papel da mulher na sociedade, no cinema, sobre termos de fotografia cinematográfica e de oposição. Ao debater sobre As Pequenas Margaridas, é impossível não qualificá-lo como uma obra à frente de seu tempo. 
Enquanto uma das meninas marca encontros com homens mais velhos em restaurantes caros, sua amiga, ou irmã, como se referem uma a outra, aparece e devora toda a comida que pode. No fim das contas, nem uma se sente saciada nem a outra se compromete ao senhor que a acompanha. As jovens se colocam em posição política de quem se sente incompleto, inconformado com as instâncias da sociedade na sua  incapacidade de realizá-las. Vera idealiza um mundo em que elas possam se sentir livres para experimentarem outras saídas. Os tons coloridos que se alteram ao longo do filme é a voz da diretora ao ela mesma se libertar das formas impostas sob o cinema.
As garotas brincam com colagens, recortes de revistas, e com seus corpos. Ingerem alimentos de conotação sexual, riem dos homens que se declaram apaixonados. Depravadas, é o que elas se perguntam ser. Quando na verdade elas estão internalizando um discurso que se propaga no tocante a suas atitudes. A desconstrução do seus corpos, do que se espera de garotas da sua idade, e o ar de não se importarem com o julgamento da sociedade implicam uma representação do feminismo. Porém, assim como Vera, as protagonistas arriscavam a ruptura com espaços tradicionais que culminam no seu sentimento de culpa, de punição. Quando uma mulher avança e ela avança sozinha, ela será facilmente silenciada.




 Embora muitos classifiquem a obra como de cunho feminista, Věra Chytilová afirma que é individualista. A tentativa de homogeneizar a sociedade partindo de seus valores e preceitos políticos, impossibilitava a afirmação de identidades. Em um diálogo entre as protagonistas de Daisies, elas questionam porque ninguém as nota, elas existem sob o olhar uma da outra, pois juntas experimentam e reinventam o seu mundo, o qual a sociedade ainda não estava pronta para lidar com. O ápice da crítica de Chytilová acontece quando as meninas encontram um banquete aristocrata, antes da chegada dos convidados, e dançam sob a comida. As pequenas margaridas esmagam aquilo que remete à opressão político-social. Logo após o feito, ouvimos a voz de Vera conscientizá-las a repararem o estrago. Vestindo papéis de jornal amarrados com cordas no seus corpos,  elas tentam arrumar os pratos quebrados, a comida espatifada numa alusão ao controle da rebeldia, da fuga ao lugar que te pertence. Nós faremos tudo e nós seremos boas e bonitas, dizem as jovens, que obedientemente se portam submissas à voz preponderante, interpretada por Vera e na realidade, pelo governo autoritário vigente. 
O filme se inicia e finaliza com vinhetas de bombas explodindo, localizando o telespectador na atmosfera violenta em que a Tchecoslováquia se encontrava. O governo baniu Daisies  por conta do desperdício de comida, mas somos preparados a questionar qual era realmente o incomodo que o filme trazia.A obra de  Vera Chytilová não envelhece, não é despercebida porque ainda se faz presente a luta de mulheres pelo seu reconhecimento nas Artes, ainda vemos minorias em crise de identidade, sua fotografia ainda influencia outros trabalhos, ou seja, temos que apreciar e divulgar sim este filme pela sua grandeza e singularidade. 






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