Minha foto
Larissa Oliveira
Sergipana e professora bilíngue, admira os mais diversos tipos de arte e já teve seu momento Twin Peaks, além de epifania ao ler o romance que dá nome a este blog, A Redoma de Vidro de Sylvia Plath. Este Blog nasceu em 2014 e é dedicado a críticas de filmes, livros, séries e música, sendo que as dos três primeiros contêm spoilers. Boa leitura!

Crítica: Belle de Jour (1967)




Em comemoração aos 50 anos da obra francesa Belle de Jour, ou Bela da Tarde, que para sempre será a minha predileta, dedico o post à grandeza que ela representa. Durante a sua reentrada na cinematografia francesa, o cineasta mexicano e espanhol Luis Buñuel desvela a natureza profunda da pequena e dominante burguesia. Suas elipses e referências oníricas advêm de seus primeiros trabalhos, que o consagraram como líder avant-garde do surrealismo no cinema. Em 1929, Buñuel e o pintor também espanhol, Salvador Dali, dirigem o maior representante do gênero, o filme O Cão Andaluz. O cineasta pedia para que não se buscasse um sentido em suas obras, e quando nos familiarizamos com elas, percebemos que suas alegorias não buscam uma explicação única, chave, para desvendar o filme. Elas são lançadas a fim de provocar o espectador e desafiar o seu lugar de conforto. Porém, tendo a ver ou não com a sua crítica pontuada na hipocrisia burguesa, sua riqueza de elementos compositivos resultou em um estilo próprio, ''buñuelesco''. A Bela da Tarde talvez simbolize a mais bem elaborada obra de sua derradeira fase em vida no cinema, uma vez que traz em seu centro, uma mulher. Outros três longas da época já foram resenhados aqui no Blog como: El Ángel Exterminador (1962) ; Cet obscur objet du désir (1977); e Tristana (1970) . Este último, assim como  Belle de Jour, também protagoniza a mais gélida e elegante entre as atrizes francesas, Catherine Deneuve. Ambas protagonistas da francesa apresentam comportamento ambíguo, um olhar distante e desafiam convenções morais. Na abertura da obra de  67, a jovem Séverine e seu esposo Pierre (Jean Sorel) chegam ao seu luxuoso castelo de carruagem quando este a diz que a ama, mas reclama da sua frigidez. A fim de puni-la, Pierre demanda que os cocheiros a chicoteiem e a expressão inicial de dor dá espaço a de prazer quando ambos começam a se aproveitar de seu corpo. 
Séverine desperta, e o episódio se revela, na verdade, um pesadelo, ou seria um sonho?                   
 O casal dorme em camas separadas e por meio de um diálogo, e mais a frente, descobrimos que ela é virgem. Durante o dia, Pierre trabalha como médico, e à noite, os dois costumam sair com um casal de amigos. É a partir deles, especialmente de Henri Husson (Michel Piccoli) que Séverine tem conhecimento preciso de um discreto bordel de luxo. Nossa protagonista não entende a sua vontade de ir ao bordel, mas se sente compelida a adentrá-lo. Mantido pela Madame Anaïs (Geneviève Page) Séverine se mostra relutante a deitar com seu primeiro cliente. O seu olhar distante e sua incerteza não nos aproximam de seu estado de mente. Um cliente japonês aparece com uma caixa cujo som e conteúdo  são desconhecidos. O que acontece quando a porta se fecha e ela fica a sós com o cliente também, só quando vemos uma mancha de sangue na coberta que nos aproximamos um pouco do seu mundo. Bela da Tarde é o seu pseudônimo no bordel, uma vez que à noite ela cumpre o papel de dona de casa amável. Ao passo que Séverine se molda ao papel de prostituta,  vinhetas simbolizam abuso infantil e a não corroboração com preceitos religiosos e moralistas. Seria a transgressão da mulher branca e burguesa fruto de um trauma anterior?


Catherine Deneuve em seu papel mais emblemático em Bela da Tarde (1967) 

Não há como afirmar tal questionamento, pois seria a resposta mais convincente. O valor identitário da mulher na época que a obra se insere,configura-se como o romântico ideal burguês. A sua transgressão há de ser uma resposta a algo que a condicione e não simplesmente uma escolha independente. Analisar o cinema de Buñuel é fugir a convenções, a partir do uso das mesmas. É confundir-se no seu retrato do real e fictício, visto que não sabemos de que ordem partem essas vinhetas.Seriam elas sonhos, projeções propositais  ou memórias vivenciadas pela protagonista? O que podemos afirmar ao certo é que estamos diante de uma mente perturbada. A integralidade refletida na mulher burguesa é fragmentada em mundo masoquista, de classe inferior e a busca pela sua própria forma de prazer, caracterizando uma nuance feminista na personagem. Embora os bordéis se configurem como espaço patriarcal, em que a mulher serve de objeto para o homem, Séverine o enxerga como a realização de suas fantasias e depende dele somente para tal fim. Quando analisamos o escopo da obra, concluímos que  A Bela da Tarde vai além dessa questão. A exploração da sexualidade feminina, ainda que seja de uma parte privilegiada, se dá em diferentes  interpretações e é fomento para uma discussão a que tanto se impõem tabus na nossa sociedade. 
Nos deparamos igualmente com certas fantasias sexuais masculinas as quais ela tem  o poder de julgar e de se submeter. A dualidade é o ponto alto da obra. Quando Henri, amigo do casal e que insiste em flertar com ela, descobre a sua vida dupla, ameaça delatá-la ao seu esposo. Na sequência, um cliente e amante possessivo e agressivo, a persegue e atira no seu marido. Debilitado, Pierre fica completamente dependente de Séverine. Henri retorna a ameaçá-la e conta o que sabe a ele. Se antes, o sentimento de culpa lhe dava prazer, agora que não há mais segredos, retornamos à cena inicial do filme. A carruagem se aproxima do castelo,dessa vez, sem o casal. Pierre que se encontrava na cadeira de rodas, levanta e abre um diálogo trivial com sua esposa. Buñuel emprega sua ambiguidade por todo o filme nos deixando um leque de interpretações. 
Assistimos à Bela da Tarde como ela julga seus clientes e suas companheiras de casa. Quando ela observa, através de um pequeno buraco na parede, uma prostituta experiente executar uma fantasia de um cliente a qual ela não foi eficaz, ela pergunta como alguém pode ser tão baixa. O julgamento, ora silencioso, ora externizado que ela faz dos personagens, define o nosso papel como espectador passivo ou ativo. Somos instigados  a ir além , assim como Séverine foi, do lugar convencional. Sendo assim, a obra que completa 50 anos em 2017, explora a subjetividade de um inconsciente reprimido por normas sociais e moralistas e que busca no sexo não apenas o prazer carnal, mas também o amoral, o de ressignificar a  sua perversa liberdade.











Comentários

Popular no Blog...